Uma Palavra aos Católicos
Publicado em: 11 de novembro de 2022 Por: Rev. Ageu Magalhães
Disclaimer: não acho que quem assiste está em pecado e nem acho o conteúdo deles ruim. Não acho também que seja possível viver totalmente a parte das influências do mundo e sem financiar o que reprovamos, mas isso pode ser mitigado.
Recentemente, o Reverendo Ageu Magalhães fez uma publicação relacionando o Brasil Paralelo (BP) com a Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR), o que causou um alvoroço no meio protestante reformado. A publicação era uma imagem de um cavalo de Tróia (que representaria o BP) entrando com o catolicismo dentro das igrejas evangélicas. Sobre Ageu, não o conheço a fundo, mas sua colocação foi certeira.
Eu, inocentemente, fui compartilhar no Instagram achando que era algo que muitos evangélicos sabiam e até concordavam. Compartilhei de noite, antes de dormir. Acordei de manhã com uma caixa de entrada lotada de comentários. Aparentemente, isso é um fato que poucos percebem. “Como você pode criticar aqueles que estão construindo um país melhor?”, eles dizem. Como posso não criticar aqueles que estão criando o mostro que irá me engolir?
O Brasil Paralelo e a Igreja Católica Apostólica Romana
O BP é um dos maiores veículos de mídia on-line do conservadorismo brasileiro. Ele começou como um projeto ambicioso que desejava mostrar, como o nome sugere, um “Brasil Paralelo”, diferente do que as escolas e a mídia ensinam. Hoje, o BP possui até mesmo sua própria plataforma de streaming, com documentários e séries que foram analisadas e curadas por “conservadores”.
Mas o que o Brasil Paralelo tem a ver com a ICAR? Afinal, eles não são uma plataforma de cursos católicos. Eles não possuem conteúdos relevantes que podem munir evangélicos e católicos contra as “investidas da esquerda”? De fato, não posso negar que os conteúdos deles são muito bem feitos e recheados de pontos interessantes, apesar de muitos historiadores apontarem um viés revisionista. Mas mesmo assim, eu não assisto BP e não acho que nenhum outro evangélico deveria consumir os seus conteúdos, ao menos não com frequência.
Desde o início de seu primeiro grande projeto, “A Última Cruzada”- uma série documental que reconta a história do Brasil numa ótica conservadora-, percebi que havia algo errado. O problema não era o conteúdo em si, mas a construção da narrativa. Como assim?
Apesar da proposta ser contrapor o “vira-latismo” e o marxismo que permeia a forma como a história do Brasil é contada na escola, o BP constrói também a sua própria narrativa que constrói e desconstrói heróis e vilões. É um tanto como interessante como todos que são pintados como heróis na escola se tornam vilões e em vice-versa. Essa narrativa, entretanto, cai no exato mesmo problema das narrativas convencionais: uma espécie de maniqueísmo absoluto histórico. O bem absoluto contra o mal absoluto ao longo dos séculos.
Como evangélico, minha doutrina e minha visão de mundo estão fortemente embasados nas 5 Solas da reforma protestante, que permeiam até mesmo a minha visão política. Se você é crente, sabe (ou deveria saber), o básico do evangelho da graça: todos pecaram e carecem da glória de Deus (Romanos 3.23).
Portanto, apesar de, sim, existirem seres humanos que causaram mais dano que outros (seria um absurdo comparar Hitler com um filantropo), é importante notar que figuras históricas não são santas. Ora, se nem mesmo os santos do Novo e Antigos Testamentos eram perfeitos e pecaram de maneira terrível, o que dirá dos ímpios e nós, crentes “comuns”? Isso se aplica à política também: não existe figura histórica ou político perfeito e isso não pode ser ignorado. Ignorar isso nos leva até mesmo a perder um dos pontos principais da Bíblia, que não há um justo sequer (Romanos 3.10) e, por isso, precisamos de salvação!
A história da humanidade, creio eu, não está numa narrativa de um extremo e nem do outro, mas em algum lugar no meio.
O relacionamento sutil entre a ICAR e o BP
Mas, voltando ao BP, o que isso tudo tem a ver com a ICAR? É simples: o novo herói da vez, na narrativa do BP, é a ICAR. Mesmo que você não perceba. Por quê?
Você prestou muito atenção em como a história é construída? Na Última Cruzada, sempre que algum grande evento da história ocorre, o BP, de alguma forma, dá um jeito de ligar ele à ICAR. E isso sempre recontando uma história que já conhecemos. “Sabe a invasão dos muçulmanos à europa? A ICAR quem nos salvou. Sabe a unificação de Portugal? A ICAR quem ajudou. Sabe o descobrimento do Brasil? Teve uma missa logo após acharem a terra. Sabe x, y e z? Foi graças à igreja”. Qualquer grande evento é ligado diretamente à ICAR, sugerindo que ela é o fundamento da história.
Quando alguma polêmica surge, o BP, assim como qualquer apologista católico, faz questão de diminuir, negar ou até mesmo justificar. “Derrota nas cruzadas? Não tem nada a ver com a ICAR. Inquisição? Não foi tudo isso. Perseguição aos judeus durante a idade média? Não existiu. Genocídio indígena? Os índios não eram tão bonzinhos assim”.
Não estou dando exemplos que foram necessariamente assim. Alguns podem até estar fora de lugar (estou usando exemplos genéricos que muitos apologistas católicos usam) e o BP pode nem ter usado eles, mas a lógica é exatamente essa: a ICAR “é o que há”.
Não estou negando também que há ou pode existir verdade em todas as colocações. Não sou historiador e nem quero bancar um. Entretanto, como um modesto estudante de cosmovisão cristã, consigo enxergar algo muito claro: uma cosmovisão católica se manifestando de maneira (quase) sutil e fazendo um forte proselitismo.
Como o BP cresceu
Não é de agora, mas apesar do Brasil ter passado anos sendo “evangelizado”, estamos tendo uma forte guinada de volta ao catolicismo romano, sendo o movimento “conservador” (entre aspas mesmo) seu principal pivô. Talvez nunca tenhamos visto, até mesmo na história do mundo, um momento em que muitos tem voltado à tradição católica. E creio que o BP é um grande jogador nessa história. Mas por quê?
Desde o início do segundo mandato da Dilma (ou até mesmo um pouco antes), nasceu no coração brasileiro um forte e justo sentimento anti-petista. O Partido dos Trabalhadores (PT), encabeçado pelo atual Presidente Lula, esteve no poder desde o início do milênio e, de lá pra cá, o Brasil estagnou e então, começou a entrar em crise (novamente). Tudo isso poucos anos após a época da hiperinflação e do confiscar de bens do governo federal no governo Collor. Imagine: você cresceu em um país extremamente imprevisível e, então, encontra alguma estabilidade, que em seguida seria tirada não muito tempo depois porque um partido político simplesmente estava envolvido com políticas irresponsáveis e corruptas.
Nesse cenário, surgem vozes que começam a se destacar, como o senhor Olavo de Carvalho e, então, seus discípulos, todos fortemente católicos. Esses foram fundamentais para a eleição do antigo presidente Jair Bolsonaro. Não há como negar: a onda anti-petista, que iria se posicionar como conservadora, foi fundamentada nessas figuras.
Naturalmente, após a guinada política da esquerda para direita, era a vez da elite de direita do país ser exaltada. Todos estavam felizes com a saída do PT do poder e davam graças por essas figuras, venerando-as. As pessoas foram engajadas politicamente e agora só pensavam nisso, pois não aguentavam mais estar nas mãos da esquerda e não desejam jamais que ela volte. Agora, o cristão brasileiro médio tinha alguém pra se identificar: a direita conservadora. E se você deseja ser um homem de direita iluminado, precisa seguir as grandes mentes que tiraram o PT do poder. O BP, então, se coloca como autoridade nesse assunto.
Como o Brasil Paralelo mina o evangelicalismo
Com um viés extremamente católico, o BP começa a produzir grandes obras de mídias voltadas para aqueles brasileiros, o que inclui católicos e evangélicos, que desejavam se munir contra o “esquerdismo”. Suas produções são de encher os olhos e fazem você se sentir pertencente a algo maior, além de muito bem informado! Como não assistir as obras do BP? Assim, os evangélicos sobem nesse barco em que os principais oficiais são grandes devotos da ICAR.
Ora, se você fica tempo demais com alguém, querendo ou não, você absorve os princípios, manias, virtudes e vícios dessa pessoa. Não se engane, pois a própria bíblia afirma que aquele que anda com sábios se torna mais sábio e o que anda com tolos se torna mais tolo (Provérbios 13:20). As más companhias corrompem os bons costumes (1 Coríntios 15:33). É bíblico, não se engane achando que você é não influenciável. Você é e ponto final. Se você discorda, faz da Bíblia, e portanto Deus, de mentirosa.
Como os evangélicos ajudam a Igreja Católica Romana
Esses novos marinheiros evangélicos do barco do conservadorismo católico brasileiro passam dias e mais dias na embarcação, consumindo conteúdo atrás de conteúdo indiscriminadamente. Eles ajudam a encher os porões do navio com imensas quantidades de ouro, fazendo com que a frota só aumente, com novos navios e mais marinheiros, evangélicos e católicos. Ele sabe e percebe que os capitães e oficiais são católicos, mas porque se importar se o navio já passou por várias tempestades e sobreviveu? Por que abandonar um navio que venceu inúmeras batalhas e está cheio de glória? Parece tolice.
Mas, após anos navegando nesse navio, o evangélico que antes estava vestido com roupas das cores do sangue de Cristo somente, sem perceber agora se encontra com o branco e dourado da ICAR. O crucifixo em seu peito, que estava vazio, agora tem um Cristo pendurado. Esse mesmo evangélico construiu um império com um nome que antes dizia abominar. Esse evangélico não acredita mais nas 5 Solas. Ele está satisfeito com sua história como marinheiro e se recusa a sair do navio. Seus feitos, acima dos antigos valores, o bastam.
O que quero dizer com toda essa grande metáfora? Os evangélicos brasileiros tem enchido os bolsos de católicos extremamente militantes, direta ou indiretamente, tudo isso sobre o pretexto de “analisai tudo e retei o que é bom” (mesmo fazendo constantes boicotes a empresas “liberais” ou “de esquerda”). Não entraremos no mérito do conteúdo do BP ser verdadeiro ou não ou a idoneidade do movimento (coisas sobre as quais tenho fortes suspeitas sobre, mas não faço acusações). Mas é fato de que o evangelicalismo ajudou, por conta da política, a reconstruir o catolicismo.
Muitos evangélicos ficaram tempo demais ouvindo que a ICAR é o melhor para o ocidente. E para muitos deles, a condição do mundo de agora é mais importante que o Reino de Deus, mesmo que neguem que afirmam isso. Água mole, pedra dura. Aquele coração que buscava uma solução para o aqui e o agora encontrou alguém que disse que pode nos salvar da ameaça vermelha. Todo dia saem dois tipos de pessoas de casa. Quando elas se encontram, sai negócio.
Não é de se espantar. O próprio evangelicalismo brasileiro tem uma parcela de culpa em tudo isso. A péssima relação entre os protestantes com a política é a raiz de tudo isso. Em nome da moral e bons costumes, pastores vendem seus púlpitos para políticos fazerem campanha, além de coagirem seus fiéis a seguirem seus políticos “conservadores”, que majoritariamente são católicos. Não é de se espantar que o presidente que muitos crentes defendem está no terceiro casamento, falava constantemente “besteira”, já tinha se batizado mais de uma vez e ia um dia no culto e outro na missa. Qualquer critica, mesmo que válida, é respondida com “é o PT” e “você quer que o PT volte?”. Fica claro onde está o coração das pessoas: elas não querem um político que procure andar em justiça, mas sim um para chamar de seu. Querem um Messias e, como tal, não pode ser nem mesmo criticado.
A doutrina social da igreja está aí, mas o que o evangélico tem para oferecer no lugar dela? Herman Dooyewert? Abraham Kuyper? Esses nomes jamais são citados. Resta andar sobre a guarda da Doutrina Social da Igreja.
E daí que a igreja católica tem ativismo político?
Eis o que as pessoas dizem ao voltarem ao catolicismo: “estou com eles porque eles estão fazendo algo”. Primeiro eu digo: que realidade é essa que você vive que não percebe que a igreja evangélica nunca esteve mais engajada do que nunca (mesmo que de maneira não saudável). Segundo, respondo com um sonoro “e daí?”.
O que a alavancagem da direita no país tem a ver com a doutrina da Sola Fide? O que o Brasil Paralelo tem a ver com a minha crença na Sola Scriptura? O que o senhor Olavo de Carvalho significa para a Sola Gratia? O que o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro tem a ver com o Solus Christus? O que a direita tem a ver com a Soli Deo Gloria?
Mudar de fé por conta de política mostra uma coisa fundamental sobre nós e nosso coração: a fé precede a política ou a política precede a fé? Minha fé é embasada no que há no mundo, a política, ou como eu estou no mundo é ditado pelo o que creio? Para quem troca de fé por conta de política, mesmo se tornando católico, a política é o seu ídolo. O que move a nosso coração é aquilo que é o nosso senhor, pois onde está nosso tesouro, ali está o nosso coração (Mateus 6.21). “Virei católico porque a ICAR tem a resposta política melhor” é, além de fruto de ignorância ao meu ver, uma prova incontestável de idolatria política. Ponto final.
Mas os eleitos não serão preservados?
Vi alguns responderem “se sou eleito, não preciso me preocupar pois Deus me preservará”. Essa resposta foi dada por calvinistas, para justificar, e arminianos, para zombar. O que responder diante disso? Simples: hipercalvinismo.
Esse é o típico pensamento que leva alguns calvinistas a não evangelizarem. “Se vai ocorrer, por que fazer?” Essas pessoas não entendem relações de causa e efeito. Não entendem que Deus não determina apenas o que ocorrerá, mas também como ocorrerá (causa instrumental). Deus determinou que as pessoas seriam salvas, mas seriam salvas pelo que Paulo chamou de “loucura da pregação”. Assim também Deus determinou que os fins (que podem ser santos) não justificam os meios. Os meios devem ser santos para se chegar a um fim santo. Deus não quer, por exemplo, que convertamos pessoas com ameaças, mas sim com a pregação fiel. Ele quer nosso coração, não nossas obras.
Onde vou me informar, então?
A Internet é imensa. Basta jogar no Google e olhar as fontes. Existem muita informação dispersa que pode ser encontra. O que importa é você não pagar nada desnecessariamente para aqueles que financiam direta e ativamente a igreja católica (não estou sugerindo um boicote). Por que você deixa de ir ao Burger King, por exemplo? Porque lá eles, ativamente, militam por causas das quais discordamos.
Entretanto, é impossível viver a parte daqueles que financiam e apoiam o que reprovamos. Seria tolice e precisaríamos nos isolar no meio do mato. Precisamos negociar com sabedoria e não dar atenção desnecessária, sempre optando por alternativas mais corretas, mesmo que sejam mais caras. Nosso consumo também deve ser convertido.
Não estou dizendo que é fácil. Estou dizendo o que acontece.
Ah, se as pessoas tivessem mais discernimento, não veria tanto problema em consumir o conteúdo gratuito (apesar da monetização do mesmo).
Conclusão
Concluindo, o BP é um grande jogador no ressurgimento do catolicismo do Brasil, que surfa no movimento de direita brasileiro. Os evangélicos que trocam de fé por conta de convencimento político são verdadeiros idólatras e não prestam nem para ser católicos, uma vez que sua fé não está nem embasada nem mesmo na ICAR, mas em sua confiança na política. Os que permanecem consumindo estão corroendo suas mentes sem perceber, sobre o pretexto de se munir contra uma ameaça maior, e alimentando o mostro que irá os engolir.
Alimentar o Brasil Paralelo e outros grandes influenciadores católicos é alimentar o monstro que irá tentar me converter ou me devorar.
Não se engane, a fé evangélica possui sim respostas a altura para uma política saudável. Entretanto, não há procura, pois ninguém quer resolver os problemas da maneira certa, mas sim uma pseudosolução imediata e que já está consolidada. Essa é a mentalidade que destrói o brasileiro, incluindo os evangélicos.
E não se engane. Mesmo que não pareça, o protestantismo construiu o mundo moderno. Não é sem motivo que o espírito protestante é o que permeia (ou permeava) as maiores potências do mundo, como a Alemanha, Inglaterra, Holanda, Estados Unidos, Suécia, Suíça, Dinamarca e muitos outros países. Você, evangélico, vem de um legado imenso, tão grande quanto o católico.
Evite consumir, pois faz mal pra você, para sua fé e a dos outros. É impossível fugir completamente, mas há alternativas e formas de viver com sabedoria.
Por fim, gostaria de finalizar com as palavras de Lutero: a menos que eu seja convencido através das Escrituras e por lógica simples, eu não posso renegar. Deus tenha misericórdia de mim.
Newsletter