O site de notícias cristãs Gospel Prime publicou uma entrevista com Fernando Cintra, pastor batista, com o título: A produção de teologia brasileira é pobre. Como ideias devem ser discutidas e isso é saudável quando a abordagem é respeitosa, gostaria de contrapor as afirmações do pastor em sua entrevista. O texto dele está em vermelho e o meu em preto.
“a produção de teologia brasileira é pobre em todos os sentidos. Ainda estamos lendo em nossos seminários teólogos da década de 60 escritos por teólogos que já estão ultrapassados em suas conclusões”.
Parece que houve edição truncada no texto original, pois está confuso. A produção de teologia é algo diferente do que os alunos leem nos seminários. A produção de teologia é feita, basicamente, por meio das publicações dos teólogos, seja em livros ou em trabalhos acadêmicos. Já a leitura dos seminários depende da linha teológica de cada instituição.
Vamos, então, considerar que a crítica está endereçada ao que se lê nos seminários. O pastor diz que “ainda estamos lendo em nossos seminários teólogos da década de 60 escritos por teólogos que já estão ultrapassados em suas conclusões”. Faltou detalhamento na crítica. Quando o pastor diz “nossos seminários” ele está se referindo à sua denominação batista ou a todos os seminários do Brasil? A afirmação provocativa “produção de teologia brasileira” parece favorecer à segunda possibilidade. Se é isso, seria necessário que o autor declinasse mais dados. Será que ele tem conhecimento de tudo o que se lê em todos os seminários do Brasil? A que teólogos da década de 60 ele se refere? E quais conclusões estão ultrapassadas? Tudo isso fica no ar, sem respostas.
Entre as muitas questões polêmicas dentro das igrejas tradicionais está a ordenação feminina. Este mês a Ordem dos Pastores Batistas aprovou essa questão que divide a denominação. Para Fernando, a questão é simples: “Quando Deus começa uma obra ninguém pode segurar, mas Ele trabalha em nossa história… Nosso sistema congregacional é uma bênção, mas tem suas limitações e uma delas é que cada um pensa de um jeito”.
Não está claro se o pastor entrevistado é a favor ou contra a ordenação feminina. Quanto à decisão da Ordem dos Pastores Batistas, particularmente creio que houve erro. A ordenação feminina só prevalece diante da argumentação cultural. Denominações que têm pressupostos bíblicos não ordenam mulheres ao pastorado. O grande perigo (e que algumas igrejas ainda não perceberam) é que a mesma abertura que o argumento cultural dá à ordenação feminina, a saber “os tempos mudaram… hoje a mulher conquistou o seu lugar, etc…”, já está sendo usado por igrejas norte-americanas e europeias para a ordenação de homossexuais ao ministério.
Para ele, parte da culpa é das editoras evangélicas do país. “Há muita coisa em termos de teologia bíblica evangélica brasileira, mas não há um parque gráfico operante. As editoras preferem traduzir livros de outros países. O que não acontece com a teologia brasileira católica”, acredita.
Texto confuso novamente. Se “há muita coisa em termos de teologia bíblica evangélica brasileira” como “as editoras preferem traduzir livros de outros países”? Afinal, as editoras estão publicando livros de autores nacionais ou não? Eu respondo: as editoras brasileiras têm feito as duas coisas. Há bastante produção estrangeira sendo traduzida, como também há um número crescente de autores nacionais sendo publicado. Quanto à afirmação de que “não há um parque gráfico operante” é bom esclarecer que parque gráfico diz respeito ao maquinário de impressão apenas, o final do processo. Quem produz livros não é a gráfica, mas a editora. A gráfica apenas imprime todo o processo que foi feito na editora.
Além disso, lembra que a maioria dos seminários brasileiros só ensinam sobre “os teólogos da primeira década do século XX e nem sabem os nomes dos teólogos brasileiros evangélicos e latinos”. Ou seja, de certa forma estamos “parados no tempo” ao longo das últimas décadas.
Novamente, a que teólogos (agora, da primeira década do século XX) ele se refere? E a acusação de que os seminários não sabem os nomes dos teólogos brasileiros e latinos é bastante imprudente. Os seminários da Igreja a que sirvo (Igreja Presbiteriana do Brasil) contemplam em sua grade curricular sete semestres de Teologia Sistemática, abordando os temas teológicos no decorrer da história da Igreja, e mais dois semestres contemplando a Teologia Contemporânea, isto é, o desenvolvimento teológico dos últimos séculos até as últimas décadas. Além disso, a crítica que se faz à teologia de tempos passados não é justa. Nem sempre a vanguarda das ideias é sinônimo de sabedoria. No início do século 20, por exemplo, o melhor caminho para as igrejas bíblicas não foi o embarcar na síntese entre Cristianismo e Iluminismo, com seus pressupostos racionalistas, mas retornar aos conceitos bíblicos e ancorar a fé nos seus fundamentos. Mais tarde, este movimento fundamentalista descaracterizou-se, mas seu início, com a publicação do “The Fundamentals” (12 volumes escritos por 64 teólogos ingleses e americanos e 3 milhões de cópias publicadas) deu um norte para as denominações reformadas, livrando-as do canto da sereia do liberalismo teológico. Se aquelas igrejas tivessem embarcado na “vanguarda teológica” teriam afundado.
Para as igrejas mais tradicionais isso teve um resultado claro: a perda de terreno para o movimento neopentecostal e a “explosão” de denominações como a Universal, a IMPD e outras. “Os tradicionais erraram em não falarem a língua do povo e nem de tratar o povo como indivíduos e não massa. O Deus imanente ficou muito mais visível pelos pentecostais e nas novas igrejas do que pelos tradicionais que não foram bons na divulgação”, assevera o pastor.
Essa análise é puramente pragmática. Atribui vitória ao movimento neopentecostal e fracasso ao protestantismo histórico. O pastor cita a Igreja Universal e a Igreja Mundial do Poder de Deus como exemplos de sucesso. Não é preciso muito para demonstrar o equívoco. As igrejas citadas estão longe da Palavra. Mercantilizaram a fé. Trouxeram de volta os comerciantes do templo, outrora expulsos pelo próprio Jesus. Pregam outro evangelho, humanista, triunfalista, materialista. Servem ao deus Mamon, não ao Deus verdadeiro. O crescimento destas igrejas não deve ser atribuído, de forma alguma, ao êxito na comunicação, como defende o pastor, mas à lei comercial de oferta e demanda: Para um povo doente e sem acesso à saúde, oferece-se cura. Para um povo carente de dinheiro, oferece-se prosperidade. Para um povo cheio de problemas e necessidades, joga-se a culpa nos demônios e resolve-se tudo com exorcismo. Com este tipo de relação, em que as pessoas sempre acham o que procuram, estas igrejas sempre estarão com seus bancos cheios. Mas isso está bem longe da aprovação de Deus. O texto de Mateus 7.22 e 23 se aplica.
Sendo assim, constata-se que existe um dilema com o crescimento estatístico no número de evangélicos do Brasil: o número de seminários não acompanhou, prejudicando assim a formação de novos líderes para essas novas igrejas.
De fato, o número de seminários não acompanhou o crescimento numérico dos evangélicos. Mas é questionável se um número maior de seminários geraria mais líderes para estas igrejas, visto que a maioria delas não valoriza a formação teológica. Algumas denominações neopentecostais ordenam seus pastores com cursos rápidos, de poucos meses. Em muitos casos, vale mais o carisma pessoal do que os dons e talentos para o pastorado.
Concluo dizendo que, em minha opinião, a produção de literatura teológica no Brasil nunca esteve melhor. A despeito da existência de algumas vertentes equivocadas, o interesse pela teologia séria e bíblica está crescendo. Há pouco mais de 20 anos, quando comecei a estudar teologia, havia pouco material em português. Muita coisa era lida em espanhol, por meio da FELIRE, que nos beneficiava com livros reformados, ou em inglês mesmo. Hoje, além da boa literatura disponível, temos grandes conferências de teologia espalhadas por todo o país. Desta forma, nossa produção teológica não pode ser chamada de pobre…
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Rev. Ageu, o site publicou uma correção alterando a palavra "podre" para "pobre".
Abraço, Marcos.
Caro Marcos, obrigado por avisar. Por uma questão de justiça, alterei meu artigo também. Abraço.
Rev. Ageu é muito triste ver pastores de igrejas tradicionais, que carregam em sua história nomes como: Charles Spurgeon e John Bunyan, admirarem movimentos como a IURD e IMPD. E mais, usarem o "confuso" movimento pentecostal como modelo de crescimento e expansão do Evangelho.
A produção teológica é pobre porque os pastores são pobres. Mal conseguem comprar livros. Esta é a verdade. Nós costumamos ver pastores na TV ou em algumas igrejas centenárias, que aí sim, são grandes e abastadas. Todavia, em geral, pastor é alguém pobre e mal consegue sustentar a família. Quantos carecem de livros, dicionários, comentários, Bíblias com outras traduções. São esforçados, mas a pobreza dificulta o estudo.
Os mais abastados são muito ocupados. Produzir livros é cansativo e (não me levem a mal) não se produz no trabalho, mas no ócio. É no ócio, no bom sentido, que alguém poderá estudar, especular, anotar, duvidar, orar, discordar de si mesmo, bater na pedra até que ela produza uma água pura e potável.
Quanto aos pentecostais, pode até ser que a teologia deles seja cambiante, confusa… mas, por favor: alguém já viu igrejas tradicionais nas favelas, onde ninguém mais quer ir? Alguém no lixo, nos hospitais, nos portos evangelizando prostitutas, nas tribos? Os pentecostais (e eu não sou um deles, infelizmente) têm provado o que é a multiforme graça de Deus, o que é uma igreja. Ora, senhoras e senhores: a leitura da Bíblia é livre ou não? Quem nos constituiu juiz da teologia alheia?
Graça e paz.
Marcelo Henrique (Hagah)
João Pessoa-PB
Parabéns, reverendo! Reflexão pertinente e bem ponderada. Ao contrário do foi colocado por nosso colega batista. É sempre um perigo se apressar em opinar sem refletir, corre-se sempre o risco de uma fala genérica, superficial e confusa. Percebo um grande interesse por boa teologia (saudável, bíblica)nos seminários e, o que é melhor, fora deles também! Haverá sempre quem deseje contentar-se com pouco e com o que é ruim, mas "dá certo".
Essas comparações do crescimento das neo-igrejas com outras, leva apenas em conta o número de seguidores, e não os que realmente estão se tornando a imagem e semelhança de Cristo, e isso só é possível quando se toma a cruz, nega-se a si mesmo e segue os passos de Cristo, se a pessoa que fez essas "ousadas" afirmações aí em cima praticasse isso, talvez não estivesse colaborando para a propagação do erro em nosso país.
Soli Deo Glória!